Depressão não é falta de amor à vida mas é amá-la demais
- Melina Garcia Gorjon
- 21 de fev. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de abr. de 2024
Estava lendo um livro e me deparei com a seguinte frase
“ Costumamos acreditar que pessoas com transtornos depressivos são seres sombrios, cabisbaixos e tristes chorando pelos cantos, mas não. ‘Chegou a tal ponto que vivo cada momento com terrível intensidade’[...] O problema não é não amar a vida, mas amá-la demais.”
O livro é “ o perigo de estar lúcida” da Rosa Montero e recomendo fortemente.
Na depressão sofre-se pela intensidade que se deseja viver, sofre-se pela idealização de um viver no qual amamos intensamente TUDO na nossa vida e buscamos isso.
Em Freud podemos identificar um pouco da noção de depressão que temos hoje em duas elaborações que ele faz, da melancolia e da neurose de angústia, em ambas há uma dificuldade em lidar com a perda, falta.
É interessante tratar a depressão como intimamente ligada às imagens idealizadas de existir e ser no mundo que cada pessoa cria inconscientemente para si. Na ânsia de alcançar tais idealizações acabam por ter uma série de frustrações que faz com que se questione o sentido e a validade da própria existência.
Em uma análise quase sempre chegamos a essa equação, depressão = idealizações!
E digo QUASE pois a experiência humana é complexa e espero que ninguém tome o que proponho aqui como verdade universal sobre a depressão.
Mas de onde vem as idealizações?
De todos os lugares e acontece o todo tempo. Desde criança você é golpeada por uma gama de idealizações que tentam invadir o seu interior. Idealizações são criadas por nós sempre em relação, primeiro nas relações primárias com quem nos criou efetivamente, depois socialmente. A opinião do outro e como esse outro vê a vida impacta diretamente no modo como vamos construir nossas idealizações. São nossos referenciais de vida que constituirão nossas idealizações.
Gosto muito de um trecho que Karen Horney, psicanalista norte americana, propõe em seu livro “ Nossos Conflitos interiores”:
“Os ideais têm uma qualidade dinâmica; fazem surgir a vontade de nos aproximarmos dêles; são uma força indíspensavel e inestimável para o amadurecimento e o desenvolvimento. A imagem idealizada é decididamente um empecilho ao amadurecimento porque, ou bem nega as deficiências ou pelo menos as condena”
Além disso, para a autora a imagem idealizada substitui a autoconfiança e o amor-próprio como verdadeiros. A comparação com os outros torna ainda mais inalcançável o ideal criado, a necessidade de se comparar vem justamente do sentimento de ver a si mesma e sua vida como insignificante diante do outro que parece ter uma vida mais valiosa. Mas essa visão de que o outro tem uma vida mais valiosa nasce, como vocês já devem ter adivinhado, da construção de idealizações
Durante a análise o trabalho é árduo, pois junto com a analista cada pessoa vai desconstruir suas idealizações, um processo doloroso e difícil. Imagine olhar para o mundo sem dicotomias, sempre em perspectivas? É muito mais complexo, difícil e exige um trabalho psíquico intenso. Mas a longo prazo esse tipo de olhar é o que nos salva de nós mesmas, é o que nos dá sentido e vai ser o motor para vida.
Olhar pra vida sem esse amor excessivo que nos aprisiona, pois você não vai amar completamente nada. E não tem NADA capaz de fornecer um amor completo e satisfatório, sempre vai faltar alguma coisa. Entender e aprender a viver com isso, é libertador.
Não precisamos viver a vida intensamente dentro das idealizações que construímos, podemos construir a vida que desejamos dentro das limitações que cada contexto impõe.

Por isso, lembre-se Depressão não é falta de amor à vida!


